reportagem especial: elas e o esporte

Presença feminina no esporte cresce, mas preconceito não reduz

Pâmela Rubin Matge


Foto: Lucas Amorelli (Diário)

As histórias mostradas nesta reportagem atestam uma realidade pungente: a inserção e a luta das mulheres no esporte cresceu, mas o preconceito não diminuiu.

Para Débora Dias, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), embora seja de conhecimento público relatos recorrentes de mulheres hiperssexualizadas ou satirizadas no ambiente esportivo, as queixas não chegam à delegacia, o que deveria ser imediatamente registrado, preferencialmente, na presença de testemunhas.

- Acredito que não é nem falta de informação. A sociedade está tão acostumada a presenciar isso, que naturaliza. Vale lembrar que, do ponto de vista jurídico, pode configurar crime contra honra, importunação violenta ao pudor, além de configurar danos morais, na esfera civil, o que é bem mais frequente - afirma a delegada.

Em um passado não muito distante, o Decreto-lei 3.199, de 14 de abril (exatamente este sábado) determinava: "Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país."

A diferenciação se revela pois, historicamente e de várias maneiras, há repetidos casos de preconceito, machismo e violência sofrido por atletas, árbitras, jornalistas, fisioterapeutas. No país do futebol, a representatividade de Marta e Pelé ainda é abismal. Há poucos dias, a campanha e hashtag homônima #deixaelatrabalhar foi encampada por jornalistas que trabalham com esporte na luta contra o desrespeito e nos estádios, nas redações, nas redes sociais. A ação emergiu quando, ao vivo, uma repórter foi assediada enquanto fazia a cobertura de um jogo de futebol.

Em Santa Maria, no ano passado, enquanto cobria uma partida, a então estudante de jornalismo Maria Júlia Corrêa, 24 anos, recorda de fotografar aos gritos de homens nas arquibancadas: "Tira uma foto minha, gostosa, ou vou descer aí e te mostrar como se faz". Jogadoras de futsal e basquete, que não quiseram ter seus nomes divulgados, relataram à reportagem uma "coleção de xingamentos como:
"só poderia ser machorra"
"está precisando lavar uma louça"
"vai bater um bolão lá em casa" 
Até mesmo quando a intenção é elogiar são reduzidas a expressões como "jogam tão bem que parecem homens".

Técnica de basquete, futebol e vôlei, Amira Khaled Aqel, 30 anos, também preferiu o silêncio ao ouvir que "a professora precisava mesmo era de um namorado". A tenista Raquel de Martini, 26 anos, não sofreu nem um assédio, mas, considera desrespeito profissional a premiação da última Copa Docelina. Neste ano, uma polêmica assombrou a entidade e ganhou repercussão negativa no Estado afora por dar como prêmio de primeiro lugar masculino R$ 7 mil e feminino, R$ 250. Antes e após o torneio diversos embates se desdobraram em postagens no Facebook. Em sua fanpage, o Coletivo Grita publicou uma carta aberta de repúdio ao Avenida Tênis Clube (ATC), responsável pelo evento. Até a tarde da última sexta-feira, eram 165 compartilhamentos e 631 curtidas.

Leia aqui o que diz o presidente do ATC sobre a polêmica da Copa Docelina


Foto: Charles Guerra (Diário)

"Já teve pais que, ao saberem que eu seria a
professora de futsal, não matricularam os filhos"
Com rotina de trabalho voltada, principalmente, a crianças e adolescentes, Amira Khaled Aqel, 30 anos, defende que educação e esporte estão diretamente relacionados.

Amira é formada em educação física, atua como professora e técnica de equipes esportivas. Desde os oito, recorda de despertar gosto pelo esporte e frequentar quadras de basquete e vôlei. Jogava futsal com os meninos na hora do recreio e na saída do colégio. Segundo ela, sem incentivo em casa, e só seguiu de "teimosa".

No basquete, foi três vezes eleita a melhor atleta da cidade, e no futsal, uma vez. Integrou a seleção gaúcha de basquete dos 16 aos 19 anos, chegando ao título brasileiro pela seleção gaúcha. Aos 22 , enquanto treinadora, ganhou o estadual na categoria feminina mirim de basquetebol pelo Atlético Esporte Clube, título inédito para Santa Maria.

- O esporte ajudou a me tornar a pessoa e profissional que sou. Aprendemos a socializar, competir, perder, ganhar, se frustrar e voltar a tentar de novo. Sempre trabalhei com meninos e meninas. Uma das coisas que uso nas minhas aulas é não tratar com diferença. O esporte não tem gênero. É isso que ajuda a melhorar a autoestima delas. Infelizmente, vivemos rodeadas de preconceito. Já teve pais que, ao saberem que eu seria a professora de uma escolinha de futsal, não matricularam os filhos.

Isso porque, segundo a professora, o machismo é disseminado em casa e acaba por repercutir por toda sociedade. Até mesmo no meio dos próprios profissionais que trabalham com meninas. Santa-mariense, é crítica ao apontar a carência de incentivo na rede pública e em muitas escolas privadas, além do pouco ou nenhum incentivo da prefeitura em não fomentar o esporte feminino por meio de ligas fortes com campeonatos anuais e torneios. As exceções, por iniciativa de alguns profissionais, são isoladas e amparadas na persistência e amor à prática esportiva.

- Veja bem, temos poucos professores trabalhando com meninas em nível estadual e também santa-mariense. Nos coletivos, temos apenas o handebol e voleibol feminino figurando no Estado. Quando o profissional não gosta de trabalhar com meninas, qualquer coisa que ela faça é motivo de desprezo. Às vezes, velado, outras não. Cansei de jogar partidas de futsal e futebol e a arbitragem não levar a sério as nossas partidas. Por quê? Porque partida de mulher é mais fácil, porque é chata.... São coisas absurdas para quem está jogando e deixa de fazer outras coisas para estar ali. É repugnante. Mas se você reclama, você é a chata, é louca. Se um homem reclama é totalmente diferente a ação do árbitro. Ficam até com medo. Uma vez, quando questionei um lance, cheguei a ouvir: "está estressada, acho que a professora precisa de um namorado".


Foto: Lucas Amorelli (Diário)

"Aprendi a ter coragem
para superar o preconceito"
Ela saiu de casa aos 15 anos e se distanciou da família e dos amigos em São Paulo das Missões, no Rio Grande do Sul, pequena cidade com cerca de 6 mil habitantes. A primeira parada de Andressa Hartmann, hoje com 25, foi no município de Santa Rosa, onde jogou futebol de campo pelo Juventus. Chegou a ser convocada para seleção brasileira sub-17 e, dois anos depois, corria as quadras do ADJ Malwee, em Jaraguá do Sul. 

Andressa, como centenas de jovens mulheres esportistas, alimentava o sonho e trilhava uma breve carreira. Chegou a ser contemplada com bolsas do Governo Federal. Em 2011, quando foi aprovada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), conseguiu trancar o curso. A distância, a urgência das competições e a necessidade dos treinos tomavam muito do tempo que tinha. Em 2012, à iminência de perder o vínculo com a universidade, tomou a decisão:

- Ou os estudos ou jogar bola. Vi que o retorno era muito pouco. Não há, por exemplo, uma Liga Nacional de Futsal Feminino. A maneira de seguir a faculdade e eu ficar perto do que gosto foi a arbitragem. Em 2014, fiz o curso da Federação Gaúcha de Futsal. Eram mais ou menos 25 homens e 10 mulheres.

Além de outras atividades, hoje dá aula em um projeto social em que meninas e meninos jogam futebol juntos. Também integra o Grupo de Estudos em Diversidade, Corpo e Gênero da UFSM. Aponta a hegemonia masculina de técnicos esportivos, presidentes de federações, clubes e equipes, enquanto mulheres trabalham somente como árbitras assistentes em partidas de futebol masculinas e não como árbitras centrais. Questiona a precariedade das políticas públicas e testemunha equipes ou mesmo campeonatos femininos mantidos somente "por amor à camiseta".

- No campeonato brasileiro de futebol, em 2017, o campeão masculino recebeu uma premiação de R$ 18 milhões. Já o campeão feminino recebeu somente R$ 120 mil, 141 vezes menor que o masculino. Além disso, não observamos os jogos do Campeonato Brasileiro transmitidos pela tv aberta, como ocorre no masculino.

Andressa abdicou da carreira, mas fez sua vivência esportiva se desdobrar em protagonismo. De riso fácil, derrama gentileza fora das quadras. Árbitra da Confederação Brasileira de Futsal, com cartões vermelho e amarelo em punho, se impõe diante de gigantes sem alterar o tom de voz. E, sobretudo, no dia a dia é que faz com que sua causa ganhe maior impacto. Seja na transmissão dos fundamentos do esporte, seja na postura analítica e combativa, que não admite que mulher seja desprivilegiada.

- Repudio qualquer ato machista e incentivo às mulheres a se inserirem, seja como atleta, árbitra, técnica ou repórter. O esporte foi e ainda é uma ferramenta que me transformou e me transforma como pessoa. Aprendi a ter coragem para ultrapassar as barreiras e superar o preconceito. Sinto-me vitoriosa em ocupar um espaço que até pouco tempo as mulheres somente eram vistas nas arquibancadas. Sou uma mulher realizada. É necessário que espaços sejam cedidos, que sejam reconhecidas pela sua competência e trabalho, e não por serem bonitas, por exemplo. É preciso discutir o machismo e a desigualdade de gênero dentro da escola e na sociedade, denunciar casos de violência e discriminação.

Abril de 2016 - Começa a partida. Um clássico do futebol de campo da cidade Faxinal do Soturno, no Estádio Municipal, garante casa cheia e torcida inflamada. Desde os primeiros 45 minutos, um dos dirigentes está exaltado. Já passa dos 10 minutos do segundo tempo, quando ao discordar de um lance e, mais uma vez, reclamar à beira do gramado é expulso. Dentro de campo, o trio de arbitragem, todos homens, segue a partida. Ao sair, Andressa Hartmann, quarta árbitra, à época com 23 anos, depara-se com o homem a menos de um metro. Ele inclina o corpo agressivamente sobre ela. Não chega a encostá-la, mas sentencia:

- Foi tu que mandou ele me expulsar, sua cadela!

O dirigente teve de ser contido pelo árbitro auxiliar. Andressa não se moveu e silenciou. O time do dirigente expulso empata o jogo.

Julho de 2017 - Andressa ganha na Justiça uma ação por danos morais, ingressada ainda no ano anterior. Na decisão do processo, contra o homem que ofendera sua dignidade, o relator trata como " xingamento baixo, de cunho machista (...) descontextualizando a disputa futebolística, com evidente intenção de humilhar e constranger. (...) por óbvio, o dano moral é incontroverso."

Julho de 2017 - No mesmo ano que Andressa ganhara um processo, o tradicional Avenida Tênis Clube (ATC) celebrava seu centenário. Vanguardista, o clube ostenta o fato de ter sido fundado por um grupo de mulheres, entre elas Docelina Arruda Gomes, homenageada com o torneio de tênis que leva seu nome. As coincidências (ou ironias) não cessam. A santa-mariense nascera em 1990, no dia 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

Março de 2018 - É realizada a 26ª edição da Copa Docelina pelo ATC. O prêmio de primeiro lugar masculino é R$ 7 mil. Para o feminino: R$ 250.


Foto: Arquivo Pessoal

"Vale eu me dedicar, ter a ambição de jogar
em alto nível, se nada nos impulsiona?"
Raquel de Martini, 26 anos
, sente na pele o alto preço que a custa ser, simplesmente, mulher. Ela foi a campeã da polêmica Copa Docelina, promovida pelo Avenida Tênis Clube (ATC), no mês passado. Porto-alegrense e tenista profissional, ainda não digere as justificativas da premiação que deu R$ 7 mil para o primeiro lugar masculino e R$ 250, para o feminino.

- É um torneio que jogo há anos, uma cidade que adoro. Vou até lá já sabendo o valor da minha premiação. Fiquei bem incomodada com a resposta do clube do porquê da diferença tão grande entre as premiações. O que li não poderiam ter falado, que "os atletas da 1ª classe masculina são de nível muito próximo ou igual ao profissional, enquanto que as atletas que disputam na categoria feminina estão muito longe do nível profissional". Sou número 1 do Estado e 32ª no ranking nacional de profissionais. Treino seis dias na semana. Tenho isso como profissão. Logo, não podemos generalizar. O primeiro passo para ter mais meninas é valorizar. E não esperar que surjam atletas em ótimo nível de graça. Não estou falando nem em igualar premiação, mas em valorização. Que seja devagar o processo, mas que inicie. Nossos R$ 250 não dão nem para saída.

Inserida no esporte desde criança, Raquel atribui a falta incentivos financeiros direcionados aos esporte feminino no Brasil a desistência de atletas. Até mesmo as estrutura e o acesso ao espaço de jogo costuma ser diferente. Na falta de competições, se dispôs, inclusive, a competir na segunda classe masculina (que ganha premiações superiores a 1ª feminina), já que costuma treinar, predominantemente, com homens. Mas o pedido sequer foi discutido e levado adiante. No Rio Grande do Sul, especificamente, para ela, sobram razões explícitas para não ver tantas meninas em torneios de tênis:

- Jogam com 14, 16 anos. Quando estouram no juvenil, param. Crescem vendo essa diferença homem e mulher, que começa no próprio infanto-juvenil. Somos postas em quadras, quase sempre, não centrais. Depois, nas categorias de classes, os homens ganham (dinheiro) e as mulheres quase nada. Vale eu me dedicar, ter a ambição de jogar em alto nível, se nada nos impulsiona ou nos mantêm?


Foto: Charles Guerra (Diário)

"O cara erra, e no outro dia, ninguém mais fala.
Se for mulher, todo mundo vai saber o nome dela"
Integrante do quadro de árbitros assistentes da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a cruz-altense radicada em Santa Maria Maíra Mastella Moreira, 25 anos, participa competições em nível nacional desde o ano passado. Formada em Educação Física, desde o dia 4 de maio de 2013 - quando iniciou no curso da FGF - convive em um meio predominantemente masculino. É convicta em reiterar que machismo é crime e casos de preconceito devem ser tratados à luz da Justiça.

Atualmente, é realizada na atividade que exerce. A dificuldade maior, fica por conta dos testes físicos:

- Corremos (as mulheres) nos índices masculinos para poder atuar no futebol profissional masculino, o que de certa forma entendo, pois é extremamente veloz. Acontece que, em geral, a mulher nasce com massa muscular e uma capacidade cardiorrespiratória de 25% a 30% menor que o homem.

Na contramão de uma realidade relatada por outras mulheres, muitas amigas do âmbito esportivo, Maíra tem estabelecido uma relação de respeito e cordialidade por onde passa. Apesar da rápida ascensão profissional, não descarta que represálias atravessem sua trajetória. Para a árbitra da CBF, erros cometidos por mulheres são superdimensionados:

- No meu caso, tive muitas oportunidades por ser mulher. Fortaleço a realidade feminina dentro do esporte através do meu trabalho, do meu empenho em realizar da melhor forma minha função, provando que mulher pode, sim, estar no futebol. Sou apaixonada por isso e renúncias são feitas todos os dias por um motivo maior que é ser uma excelente árbitra assistente. A partir de agora, em jogos de nível nacional que arbitrarei, é que vamos ver. Existe o fato de que, quando mulher erra é diferente. Toma uma proporção muito maior. O cara erra, errou o juiz. Noutro dia, ninguém mais fala. Se for mulher, todo mundo vai comentar e saber o nome dela, por dias.


Professoras parcelavam passagem de ônibus para que aluna pudesse jogar
A inserção real se inicia no pós-guerra, inclusive, com a entrada da Educação Física nas escolas. No entanto, o machismo continuava apregoando mulheres, que, muito exercitadas ficariam masculinizadas. O feminino foi sempre visto como conjuntural na vida das mulheres, enquanto não casam, não têm filhos -, e não como algo digno de respeito ou, ainda, uma imitação do desempenho masculino, visto como melhor, como o modelo.  

As mulheres começam a alterar isso nos anos 1970 e 1980. Vale lembrar que as primeiras que tentaram participar de maratonas, foram escorraçadas. Paralelamente, entravam garadativamente em atividades cuja diferença física não contava tanto como automobilismo, golfe, mas sempre tratadas como participantes de segunda classe.

- Mudar essa estrutura tão longa não é fácil. Passa por mudar o entendimento da sociedade e de lutar por mais visibilidade para o esporte feminino. Algumas escolas ainda oferecem futebol para meninos e ballet e ginástica ritmica para meninas. O esporte é um dos lugares em que o sexismo se expressa, assim como o uniforme.

Em Santa Maria, diretora e vice-diretora, Vanessa Flores e Andréia Schorn, da Escola Municipal Sérgio Lopes, no Bairro Renascença baseada em uma máxima: "Aqui as meninas podem ser o que quiserem!".

Foi por meio delas, sem a participação da prefeitura e quase nenhuma de empresas que a aluna Taiane Flores, 16 anos, aluna do 9º ano assinou contrato de um ano para ser uma Guria Colorada, o time feminino do Inter.

- Ela era um talento. A melhor entre meninos e meninas, mas não tinha condições, vinha de uma família d enove irmãos Também não tinha incentivo, algo que seria nitidamente mais fácil e até chocante se ela fosse um guri. Então,dividíamos a gasolina ou mesmo passagens de ônibus para ela participar da peneiras. Hoje ela está lá mostrando empoderamento feminino, que começou graças ao esporte - conta Andréia.

As meninas da escola de Taiane, ainda que sem quadra coberta coberta e pintura, saiu campeã invicta da Jesma 2017. A sala de aula tem sido espaço de constantes debates acerca de gênero e participação da mulher no esporte.


Foto: Lucas Amorelli (Diário)

"Mulher até aparece no bar nos comerciais de cerveja,
mas para servir os homens, não para emitir opinião
sobre a partida", diz pesquisadora

A hostilização feminina no esporte a extrapola a realidade local e travessa séculos. Para historiadora e Nikelen Witter, professora de história da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora em feminismo, a sociedade segue marcadamente machista e sexista, com necessidade de uma busca contínua: 

- Estamos numa luta contra-cultural, tentando construir uma realidade mais igualitária - pontua a professora.

Doutoranda em na linha Linha Mídias e Identidades Contemporâneas da UFSM, a jornalista Lauren Santos Steffen, acrescenta o preconceito de gênero no esporte pepassa pela predominância de coberturas midiáticas No caso do futebol feminino no país, por exemplo, dificulta a captação de recursos e a permanência das atletas no esporte diante de salários e investimentos insuficientes.

A própria publicidade televisiva corrobora para a construção de um imaginário predominantemente masculino.

- É possível ver representações estereotipadas da mulher em comerciais de marcas de cerveja. Em sua maioria, são patrocinadoras de times ou anunciantes de campeonatos de futebol. Tais construções representam a mulher como objeto de desejo sexual, explorando seu corpo, sua capacidade de servir e sua beleza, sendo destinados claramente à audiência masculina. A mulher até aparece no bar nos comerciais de cerveja, mas para ser apreciada e para servir os homens, não para torcer e emitir uma opinião sobre a partida.

FRAGILIDADE FEMININA?
Conforme Nikelen, oesporte e á prática de atividades físicas começaram a ser consideradas inadequadas para as mulheres durante a época moderna,Em fins do século XVIII, a filósofa Mary Wollstonecraft já se opunha a Rousseau dizendo que a fragilidade feminina era um modelo errôneo, baseado no cerceamento da movimentação física das mulheres, que alegava que estimuladas fisicamente como os homens eram, deixariam de ser frágeis.  

Ao longo do século XIX, as atividades físicas são lentamente incorporadas pelas classes abastadas, mas com enormes limitações para as mulheres, inclusive, por conta da vestimenta.Só na passagem para o século XX, começam a aparecer mulheres adeptas a exercícios físicos, como a Imperatriz austríaca Elizabeth (Sissi). Paralelamente, o advento da bicicleta,acaba sendo eleito como o meio de transporte transformador da vida urbana das mulheres de classes média e baixa.


Foto: Lucas Amorelli (Diário)

Sem verba, feminino do
União Independente agonizava
Acordos, mudanças e um cenário de pouca expectativa no final de 2017 entristecia muitas das jogadoras União Independente, que no ano passado mantinha uma parceria com a Fames. Após o fim do Estadual Feminino de Futsal, da Federação Gaúcha de Futebol de Salão (FGFS), as duas entidades anunciaram o término do convênio e decidiram não participar de torneios gaúchos. Em março deste ano, porém, a diretoria decidiu que a equipe feminina seguiria. É que o time foi contemplado pelo Programa Municipal de Apoio e Promoção do Esporte (Proesp 2017/2018), aprovando R$ 20,5 mil. O grupo masculino já existe há sete anos e conta com patrocínios e apoiadores. Alguns recebem ajuda de custo. O feminino conta com 15 atletas. 

- A gente joga no amor. Temos trabalho, aulas, diferença na hora de escolher os horários e tem os filhos - disse uma das jogadoras.

O presidente do União, Claudemir Fernandes, o Maninho, acrescenta:

- Sem dúvidas sem a verba não teríamos como participar de competições. E seria um atraso o time acabar. O empresariado não fala abertamente, mas na hora de patrocinar time de mulher, é diferente, tem a visão de que é mais fraco.

Fora o programa de captação pelo Proesp, o município, que sofre duras críticas de atletas locais, carece de ligas, campeonatos, escolinhas, bem como cursos de formação voltado a mulheres. O orçamento total da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer gira em torno de R$ 7 milhões.

Conforme a assessoria de comunicação da prefeitura, as verbas da pasta, que são divididas com projetos e ações da Cultura da cidade, são investidos em contratação de arbitragem, premiações e manutenção dos espaços. Atualmente, o acesso prioritário aos ginásios públicos para os times femininos da cidade é uma iniciativa de fomento à prática e igualdade do esporte feminino, além do aporte de recursos para o transporte de alunos, feita a revisão de contratos, parcerias com instituições.

Superintendente de Esporte e Lazer do município, Givago Ribeiro explica que por meio dos Jogos Escolares de Santa Maria (Jesma), por exemplo, se tem aumentado a procura das meninas nas atividades, reflexo direto do trabalho de motivação e inclusão dos professores. Ele salienta, porém, que a iniciação deve ser ainda anterior ao ambiente escolar:

- O princípio de tudo está na educação, e isso deve vir de berço nas famílias, em casa. A cidade tem potencial. Tem atletas de nível internacional, como Maria Portela, que é a atual líder do ranking mundial de judô. Além disso, os times femininos de handebol e vôlei vêm se destacando em nível estadual. Na canoagem, Mariane dos Santos se destaca no cenário internacional. Em nível local, o futsal feminino cresce a cada dia, e o vôlei de areia também tem várias mulheres.

NÚMEROS NO PROESP
Dos 30 projetos aprovados para captação de recursos pelo Programa Municipal de Apoio e Promoção do Esporte (Proesp 2017/2018), no valor total de R$ 577 mil, apenas cinco contemplam equipes femininas.

União Independente Futsal (um projeto): R$ 20,5 mil
Associação Voleibol Futuro (AVF) (dois projetos): Equipe adulta - R$ 23,8 mil e equipe infanto-juvenil - R$ 22 mil
Liga Santa-Mariense de Handebol (dois projetos): 32ª Copa Mercosul de Handebol - R$ 24,9 mil 
Inciativa apoiando o handebol feminino - R$ 20,2 mil 

*O Proesp foi instituído pela Lei Municipal nº 5.157, de 3 de outubro de 2008


Foto: Charles Guerra (Diário)

Tradicional basquete
feminino do Corintians acabou
Santa Maria já foi referência e teve ícones femininas em sua história esportiva, seja atletas ou dirigentes. A propósito é daqui a primeira mulher a comandar clube de futebol no país: Sirlei Dalla Lana, que em 1980 assumiu a presidência do Inter SM.

A cidade celeiro de atletas mulheres nos esportes coletivos, artes marciais, e demais práticas também contrasta, atualmente, com o fim de equipes de esportes, que já viveram sua época de ouro. O time feminino de basquete do Corintians é um exemplo. O derradeiro treino, no ano passado, contou com apenas seis meninas em quadra, o que decretou o fim da equipe.

- Não houve procura. É uma pena, pois tentamos o que deu. A idade, por volta dos 16 anos, também coincide com Enem, cursos. É complicado. Além disso, temos toda uma questão cultural e o fato de, há anos, não termos representatividade. As últimas grandes referências são da minha geração, com Hortência, depois Janete - lamenta o ex-técnico do time, Paulo Giordano, 37 anos.

Paralelamente, um grupo de basquete feminino vinculado à AABB foi montado. Mas, o problema reincide. O interesse feminino é menor, os incentivos, também.

As gêmeas Kamilla e Kamille Souza, 15 anos, ex-atletas do Corintians e alunas da escolinha da AABB, viajam a Candelária, cerca de 100 km distante do Coração do Rio Grande para ter a chance de treinar em um clube que visa uma competição:

- Como que Candelária, cidade bem menor, consegue formar time, e Santa Maria, não? - questiona Kamilla


Foto: Any Givensunday (Divulgação)

Da Itália, atleta da região relata rotina
do esporte feminino da Europa
- O preconceito é no esporte, no trabalho e na vida. Um dia gostaria de colocar todos os machistas e preconceituosos dentro de uma quadra e, à base de dribles, fazer eles enxergarem o quanto alguns estão abaixo de muitas mulheres. Desde de pequena tive que enfrentar até mesmo dentro de casa o preconceito. As frases que eu mais ouvia de minha mãe e meu pai quando eu tinha 10 anos eram: 'futebol não vai te levar a lugar nenhum', 'isso é coisa de gurí', 'esse esporte é cheio de lésbicas. Hoje minha mãe e meu pai são meus fãs número 1 e não pensam mais como trogloditas do século passado. 

O relato é de uma jogadora do futsal profissional da Itália. Tainã dos Santos, 28 anos, é ala-pivô do Olimpus Roma e hoje conta que consegue "viver do esporte". Natural de Cruz Alta, ela chegou a jogar em times de Santa Maria e região e já está no quinto ano fora do Brasil. Tem passagens pela Rússia, Espanha e está, há três, na Itália.

Ao falar sobre a rotina em território europeu, a jogadora menciona um padrão elevado quando comparado à realidade das meninas que estão no futsal profissional no Brasil. Por lá, as competições são organizadas, há finais de Liga Nacional, Super Copa e Copa Itália que passam diretamente por canais como SKY e Fox, por exemplo. Todo domingo, equipes transmitem partidas online pelo Facebook ou YouTube. Além disso, os treinos são praticamente diários e as atletas têm casa, fisioterapia e academia à disposição. O salário também é uma realidade diferente do futsal feminino no Brasil. Mas, quando o assunto é equiparidade entre homens e mulheres no meio esportivo, os cenários, guardadas proporções, repetem-se:

- Infelizmente, se compararmos com um salário de um jogador homem, a história é a mesma. No futsal, aqui, eles ganham, no mínimo, duas vezes mais. No futebol, são milhões, é incomparável - conta a jogadora

ENTREVISTA

"A realidade é diferente, estão nos crucificando", diz presidente do ATC sobre a premiação da Copa Docelina

Presidente do Avenida Tênis Clube (ATC) há cerca de um ano, Marcelo Portella, 41 anos, falou ao Diário, na última quinta-feira pela manhã, na sede do clube. Por 37 minutos, antes de comentar a repercussão negativa da 26ª Copa Docelina, que ocorreu no fim de semana de 18 de março, e deu como prêmio de primeiro lugar masculino R$ 7 mil e feminino, R$ 250, Marcelo lembrou da sua carreira como tenista. Contou que começou por volta dos oito anos e foi até os 24, quando optou por seguir a faculdade de engenharia civil e ter o esporte como segunda opção. Assegurou ter propriedade no âmbito esportivo, conhecendo as dificuldades, o dia a dia. Mencionou, ainda, a temporada que morou na Espanha com intuito de profissionalização e a participação em torneios pela América do Sul. Atualmente, é casado e pais de duas meninas. A mais velha, de 13 anos, é atleta e representa o clube na natação.

A reportagem também tentou contato com o vice-presidente de esportes do ATC, Rui Carlos Garcia Paixão, mas foi informada, por telefone, que "devido a um probleminha recente e para proteger a entidade, a diretoria decidiu que somente o presidente se manifestaria". É que nos comentários de uma postagem sobre a Copa Docelina, na fanpage do ATC no Facebook, em 9 de março, Paixão foi alvo de críticas, sobretudo, ao referir um comentário onde dizia "lutamos para formar atletas. Porém, perdemos feio para todas as outras opções como shopping, celular, namoro, etc..."

Diário de Santa Maria - Como o clube recebeu a ampla repercussão da diferente premiação de R$ 7 mil para homens e R$ 250 para mulheres na última Copa Docelina?  
Marcelo Portella - Essas são competições que os clubes, junto da Federação Gaúcha de Tênis, criam. É um evento comercial, para fomentar o esporte em nível regional. O ATC se enquadra nisso. Eventos como esse acontecem há muitos anos com aval da Federação, para atletas terem um ranking estadual. Mas não dão retorno financeiro, não classificam em nível nacional. É apenas uma busca pessoal. Alguns eventos nem dão prêmios. Aqui, temos alguns patrocinadores que buscamos para valorizar o pessoal que participa. Quanto ao valor da premiação, sempre foi assim. Toda história da Copa Docelina, a mulher nunca passa de R$ 550, R$ 600. E, o masculino, varia de R$ 2 mil a R$ 15 mil.  

Diário - O patrocinador é quem decide destinar o maior valor para os homens? 
Marcelo - É uma decisão comercial nossa de onde alocar melhor o prêmio. Primeiro, tem mais homens jogando, em todo o mundo, não só aqui. Depois, o nível, por ter mais gente (no masculino), é mais alto. Por exemplo, a mulher conseguiu no Grand Slam, só em 2007, igualar à premiação. Isso depois de muita discussão na ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) e WTA (Associação de Tênis Feminino). E o tênis é de 1800 e pouco...   

Diário - Apesar desta lógica e em continuar insistindo em uma premiação diferente, tu não concordas que isso não incentiva a profissionalização das mulheres?  
Marcelo - Essa discussão é relevante na sociedade que a gente vive hoje. Eu gostaria que o nível feminino fosse igual ao masculino e que pudéssemos distribuir a mesma quantidade de prêmio. Mas a realidade é diferente do que eu desejo.  

Diário - O que fazer para mudar essa realidade?  
Marcelo - Investir nas crianças. Mas, hoje, se tu fizeres um levantamento da escolinha infantil de tênis, nem 10% é feminina. Há disparidade em outros esportes. É um absurdo, mas há. É só vermos a diferença no caso da seleção brasileira de futebol feminina e masculina. Mas estão nos crucificando (o ATC). Já, se tu pegares um país forte no tênis, a Rússia, que tem a Sharapova, provavelmente, tem maior premiação para mulher. Aqui, o interesse pelo esporte sobressai pelo homem. Infelizmente, mesmo, infelizmente. Mulher tem outras opções que atraem mais, agora, o porquê, eu não sei.    

Diário - O clube se arrepende de dar essa premiação?  
Marcelo - Não. Até hoje, todos clubes fizeram isso. Aqui só vieram quatro mulheres e 35 homens, como vou dividir R$ 7 mil? Veio cara que tem 180 de ranking no ATP, nenhuma mulher tem isso no Brasil. Não tem como igualar os desiguais. Mas estou aberto a fazermos um torneio feminino com premiação em dinheiro, o clube ajuda a captar. Em maio, teremos um Festival de Tênis Feminino (sem premiação em dinheiro). Eu acredito que tem que ter mérito esportivo, independentemente do gênero. Anos atrás não tinha premiação no masculino.  

Diário - Mas ao que tu atribui o tênis feminino não crescer tanto quanto o masculino?  
Marcelo - Falta de interesse. Não adianta eu colocar R$ 10 mil de prêmio, que não vão vir mais mulher. O pessoal do masculino, que veio aqui, vive a vida para o tênis.  

Diário - E no ano que vem, como será a 27ª Copa Docelina quanto à premiação. Será igual?  
Marcelo - Queremos rever e aumentar a premiação. Vai haver uma mudança. Até está sendo estudado fazer a premiação proporcional ao número de inscritos. Estamos discutindo, tudo isso é uma novidade para nós, mas não vai ser igual

EXPEDIENTE 
Reportagem: Pâmela Rubin Matge
Edição: Pedro Pavan 

Imagens: Charles Guerra (Diário), Lucas Amorelli (Diário), Rafael Ribeiro (divulgação) e Any Given sunday (divulgação)

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Reportagem especial